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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Más lembranças de um SAPATEIRO!

Há muito tempo atrás, havia na minha cidade uma sapataria.
Minha mãe, às vezes me mandava ir lá, levar ou buscar calçado, mas confesso que odiava... era um lugar pequeno, mas sempre cheio de gente... creio que naquela época, deveria ser o “point” da região.
O que deixava mais sinistro o ambiente, era um couro de cobra imenso, pregado bem no alto e que ocupava quase três paredes, só de olhar sentia arrepios...
Não tenho boas lembranças, nem do local, nem do dono, por dois grandes motivos:
O primeiro é que eu, apesar de não lembrar exatamente minha idade nesta época, pois era muito pequena, lembro claramente daquela tarde, enquanto brincava lá fora, ouvi um homem gritando.
Olhei e mais ou menos duas quadras pra cima da minha casa, o tal sapateiro batia covardemente em uma cadela branca com pintas pretas, ela gritava desesperada, ele a encurralou na valeta e batia muito, com um pedaço de madeira e pedradas, ninguém apareceu pra ajuda- la.
Aquela cena me chocou tanto, que eu queria gritar, mas minha voz parecia presa na garganta, fiquei paralisada de pavor... o homem depois de algum tempo, que pra mim pareceu uma eternidade, foi embora... finalmente consegui chorar e rezava pra que aquilo não tivesse acontecido, que fosse só um sonho... mas cada vez que olhava pra lá, via seu corpo inerte.
Não consegui ir lá ver ela, não tive coragem, era tanto o medo e a tristeza, que eu só pensava... ”se meu pai tivesse aqui, isso não teria acontecido, ele não teria deixado...”
À noite quando meu pai chegou do serviço, não esperei ele na estrada como sempre fazia. 
Quando ele apareceu na porta, corri no seu colo desesperada e contei pra ele. Chorando pedi porque o homem tinha feito aquilo com a coitadinha.
Meu pai me abraçou, disse que não sabia e que também achava aquilo muito triste, mas que era melhor eu parar de chorar e esquecer...
Quisera eu que tivesse sido assim, mal sabia ele, que até hoje carrego comigo a brutalidade daquele dia, que eu infelizmente nunca consegui esquecer!
O segundo grande motivo, foi quando eu já estava com uns dez anos, encontrei um cão grande, parecido com um pastor alemão, já velhinho e com as costas cheias de bernes, (se a gente ficasse olhando nos buracos, dava pra ver aquela coisa nojenta se mexendo lá dentro, tadinho).
Muito manso e querido que apareceu e ninguém sabia de quem era.
Comecei a cuidar dele escondida, conhecia minha mãe o suficiente, pra saber que ela jamais deixaria eu ficar com ele.
Depois, minhas melhores amigas que eram gêmeas, também gostaram dele e resolvemos fazer uma “sociedade” pra cuidar dele.
Com as iniciais dos nossos nomes, batizamos ele de Mogigiu.
Escondemos ele na parte de cima de um paiol que ficava um pouco afastado da casa delas.
O lugar era grande e tinha até uma cama muito velha, onde acomodamos ele, com água e comida... mas ainda tinha os bernes que a gente não sabia o que fazer.
Ele era tão amado e amigo que fazia tudo o que a gente queria, sabia que estávamos cuidando dele e colaborava ficando lá, quietinho.
Infelizmente, dias depois, os pais dela descobriram nosso segredo e junto com minha mãe ouvimos até dizer chega... ”Aonde se viu levar um cachorro lá? E se ele tivesse mordido vocês? E se ele tem alguma doença? Só de olhar da pra ver que ta pestiado! Isso só pode ser coisa da Mônica!" (esta última fala era específica da minha mãe, eita).
Apesar de ninguém querer ele lá, pra nossa alegria, ele não ia embora, mas ainda continuava com os ditos bernes.
Um amiguinho nosso, também querendo ajudar, disse que o avô dele tinha um remédio azul, que espirrava nas vacas quando tinham bicheira, talvez funcionasse no Mogigiu.
Fomos as três lá buscar escondido dos nossos pais, eramos pequenas e até aquele dia nunca tínhamos ido tão longe sozinhas.
O avô do nosso amigo emprestou e um dos irmãos das gêmeas passou nele.
Céus, funcionou e em poucos dias ele estava curado.
Alimentamos, brincamos, passeamos tanto com Mogigiu, que cada lembrança ainda é muito viva em mim.
Até que um dia, eis que Mogigiu desaparece, procuramos por todos os lugares, até que nossos pais, simplesmente comunicaram que o cachorro era do dito sapateiro.
O que?... Não acreditei que deram aquele amado, pra um homem de coração tão ruim, (eu lembrava muito bem o que ele fizera anos atrás com a cadela branca de pintas pretas).
Mas nada do que falamos ou tivéssemos feito, traria ele de volta.
Na minha cabeça muitas perguntas sem resposta:
“Era mesmo ele o dono ou deram pra ele? Levou pra morar em sua casa ou pra dar um fim no cão?”
Pra ser sincera, no fundo, nunca quis descobrir a verdade, medo de me decepcionar ainda mais com as pessoas. A única certeza é que eu nunca mais, se quer soube, como terminou a historia da vida, do querido Mogigiu.
É, relembrando tudo isso, mesmo depois de décadas, continuo convicta que não tenho mesmo, nenhuma boa lembrança do tal sapateiro...

4 comentários:

  1. Nossa amiga.. seus post renderiam um bom livro! São tantas as lembranças.. E saber que vivemos boa parte delas juntas, traz muita alegria para meu coração!
    A história do Mogigiu foi linda.. como nós, crianças tão pequenas na época, cuidamos, alimentamos e curamos um cão grande e doente como ele?
    Lembro de vê-lo doente, deitado naquele velho colchão no paiol, com seus olhos de tristeza e dor...
    Mas lembro também da alegria nos seus olhinhos quando nós o curamos (com o remédio azul e com o nosso amor..) e ele pode correr e brincar com a gente!
    Nunca aceitei o fato de termos que devolvê-lo para um "dono" tão cruel, que deixou o cão adoecer e se infestar de bernes.
    Você pode ter certeza que ele levou para sempre a lembrança das três menininhas que o salvaram e o ensinaram o que é amor de verdade!

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    1. Dividir minhas histórias de amor por esses bichos com outros é maravilhoso, mas relembrar elas com vc , melhor ainda!!!
      *------------*

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  2. Môni, caraca!!!! Fiquei emocionada com essa história. Foi como se tivesse passado um filme na minha frente... me lembrei de todos os detalhes (inclusive dos bernes se mexendo nas costas do coitadinho). Você é incrível! Como pode guardar na lembrança tantas histórias e com tantos detalhes? Fico tão feliz de ter feito parte da sua infância e ter presenciado o seu amor incondicional pelos animaizinhos. Te amo amiga... e tenho muito orgulho de você.

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    1. Querida amiguinha... você e sua irmã estão nesta história tão vivas em detalhes quanto Mogigiu, a gente fez tanto por ele... querido...
      Sabe, pra certas coisas, mesmo que importantes esqueço fácil, mas não sei porque, quando tem animais envolvido, lembro de cada detalhe, os que conheci, seus nomes, comportamento, época, cor do pêlo... hehehe vai entender!!!
      bjo e pode ter certeza que o orgulho de ser amiga de você e da Gio é tão eterno quanto a nossa amizade!

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